No cenário educacional brasileiro, poucos nomes são tão icônicos e, ao mesmo tempo, tão mal compreendidos como o de Paulo Freire. Considerado um dos maiores educadores do século XX, Freire criou um método de alfabetização que transcendeu as barreiras da educação tradicional, impactando diretamente a esfera política e social.
No entanto,
seu legado continua a ser alvo de críticas infundadas, muitas vezes oriundas de
quem pouco compreende sua obra e seu contexto histórico.
Para
entender a revolução que Freire provocou e o porquê de seu método de
alfabetização ter se tornado uma questão política, é fundamental revisitarmos o
cenário do Brasil dos anos 60 e refletirmos sobre o poder transformador da
educação.
O Contexto Histórico do Método Freireano
Na década de
1960, o Brasil vivia um período de profunda desigualdade social. Um dado
alarmante da época era o índice de analfabetismo: cerca de 46% da população não
sabia ler ou escrever.
Nesse
contexto, a alfabetização não era apenas uma questão de inclusão educacional,
mas também de cidadania. Isso porque, até então, apenas pessoas alfabetizadas
tinham direito ao voto no país.
Assim, ser
alfabetizado significava ter poder político, voz ativa e acesso a direitos que
estavam vedados a quase metade da população.
Foi nesse
cenário que Paulo Freire desenvolveu sua abordagem revolucionária de
alfabetização. Em 1963, ele realizou um experimento em Angicos, no estado do
Rio Grande do Norte, onde alfabetizou mais de 300 adultos em apenas 40 horas.
O sucesso
desse método, que se baseava na interação dialógica entre educador e educando,
provocou uma verdadeira ruptura no modelo tradicional de ensino, desafiando a
forma como o conhecimento era produzido e disseminado.
A Revolução Política do Método Freireano
O que
tornava o método de Paulo Freire tão revolucionário não era apenas a rapidez e
eficácia com que os adultos eram alfabetizados, mas o impacto político que isso
gerava. Ao fornecer as ferramentas para que pessoas marginalizadas se tornassem
alfabetizadas, Freire estava, na verdade, lhes conferindo poder.
O voto, até
então restrito aos alfabetizados, representava a capacidade de influenciar
decisões políticas e participar da construção da sociedade. Portanto,
alfabetizar adultos em tão pouco tempo não era visto apenas como um avanço
educacional, mas como um ato político.
Essa
conscientização política foi justamente o que incomodou as elites da época. A
partir do momento em que Freire mostrou que era possível alfabetizar
rapidamente camadas inteiras da população, ele ameaçou o controle político que
essa elite exercia sobre os não alfabetizados.
Afinal, um
eleitorado letrado e consciente de seus direitos representava um perigo real
para a manutenção do status quo. Isso explica o início de uma campanha de
difamação e perseguição que resultou no exílio de Paulo Freire após o golpe
militar de 1964.
Análise Crítica: O Legado de Paulo Freire
A difamação
que Paulo Freire sofreu à época continua, infelizmente, a ecoar nos dias de
hoje. Suas críticas vêm, muitas vezes, de pessoas que não compreendem o real
impacto de sua obra, ou que reproduzem ideias implantadas por grupos que sempre
viram na educação um mecanismo de controle, e não de libertação.
O método
freireano nunca foi implantado em larga escala no Brasil, o que reflete a
resistência das elites políticas e econômicas que temiam perder o monopólio do
poder.
Ao contrário
do que dizem seus detratores, o método de Paulo Freire não é obsoleto ou
ineficaz. Pelo contrário, ele é mais relevante do que nunca, especialmente em
um mundo onde a desinformação se espalha rapidamente e a educação continua
sendo uma das principais ferramentas de transformação social.
Freire não
apenas alfabetizava, ele despertava o pensamento crítico e a consciência
política em seus educandos, oferecendo-lhes as chaves para a verdadeira
libertação.
Quando se
fala mal de Paulo Freire, é importante lembrar que as críticas muitas vezes não
refletem o entendimento de sua obra, mas sim a perpetuação de uma narrativa
criada por aqueles que se sentiram ameaçados por seu impacto.
Seu método
não apenas alfabetizou pessoas; ele deu poder àqueles que antes eram excluídos
dos processos decisórios de sua sociedade.
Conclusão
O legado de
Paulo Freire é um chamado à reflexão sobre o verdadeiro papel da educação: ela
deve ser emancipadora, capaz de gerar transformação social e de oferecer
oportunidades para todos.
O método
freireano foi, e ainda é, um poderoso instrumento político que desafia a
passividade do ensino tradicional. Freire nos ensina que a educação não se
resume à transmissão de conhecimentos, mas à construção de uma consciência
crítica que pode, de fato, mudar o mundo.
Se a educação é o caminho para a liberdade, Paulo Freire foi o arquiteto de uma ponte que ainda precisamos atravessar para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. Seu método não deve ser apenas lembrado, mas também praticado, principalmente em tempos em que a voz dos oprimidos continua sendo silenciada.